segunda-feira, 7 de março de 2011

Frevo e Axé

Nos anos 50 o frevo era praticamente o ritmo oficial do carnaval do Nordeste. Havia bandas de frevo de Fortaleza a Salvador. O frevo é um ritmo brasileiro e, como tal, tomava todos os espaços em que cabia. O frevo é quente, empolgante, popular e ao mesmo tempo, musicalmente sofisticado. Isso continuou nas décadas seguintes, mas nos anos 70 houve um movimento de resistência dos "donos do frevo".

Acontece que na Bahia, dois baianos sem compromisso e o endiabrado Armandinho começaram a tocar frevo com guitarra. O trio elétrico de Dodô e Osmar era chamado assim não pelos Watts consumidos, mas pelo "frevo eletrizante" que tocava. Notas amplificadas pela natureza do instrumento, pelos alto-falantes de corneta.











Os baianos ficaram bons nisso. Começaram a existir clássicos do frevo elétrico, bem diferentes do frevo pernambucano.
Confere aqui:


A guitarra deixou o frevo mais acelerado, mais vibrante e mais simples em arranjos. Apesar de exigir mais virtuosismo do guitarrista. Não é à toa que Armandinho, Pepeu e Robertinho do Recife são apontados, até hoje, entre os maiores guitarristas do Brasil.

Junto estava Moraes Moreira, um cara que tem uma habilidade de fazer melodias lindas e simples (Acabou chorare, Lá vem o Brasil) e que compôs muitos frevos com sotaque baiano. Composição de Moraes:


Caetano Veloso também fez muitos frevos e entre eles o clássico Chuva Suor e Cerveja.

O carnaval da Bahia tinha muito frevo e o axé do afoxé. Tinha samba e carnaval de salão. Enquanto isso, em Pernambuco, os bailinhos tocavam cada vez mais frevo baiano. Eram empolgantes, envolventes e diferentes, por que não?

"Não é assim que se faz"
"Isso foge da tradição",
"Frevo mesmo se faz com metais"
"Porque o frevo é pernambucano"

Os pernambucanos usaram vários argumentos históricos para provar que o frevo nasceu lá. Nasceu mesmo, tem um pouco dessa história aqui. Mas o frevo já tinha tomado o Brasil, tinha Elba Ramalho, paraibana, como uma de suas melhores intérpretes, Gal cantava, Amelinha, Sivuca, o MPB4 cantou frevo no festival de 67. Precisava mesmo dizer "a bola é minha"?

Criou um climão constrangedor. Os baianos ficaram sem graça de fazer frevo. O ritmo se fortaleceu em Pernambuco mas perdeu força em outros estados. Com sentimentos tão possessivos em relação ao frevo ninguém mais quis discutir.

Armandinho ainda fez um bom disco instrumental de frevo, mas era coisa pra músico ouvir e admirar o performista. O frevo minguou na Bahia, mas baiano é carnaval, não ia ficar muito tempo na fossa.

Volta por cima

Não sei se dá pra chamar de volta por cima, mas foi uma saída. Apareceu Luiz Caldas dançando um tal de fricote. Depois o Chiclete com Banana com uma levada parecida, a banda Reflexus da África buscando a consciência das raizes africanas da baianidade Nagô (parece que isso é balela, entre as etinias africanas na Bahia não tem a Nagô). Aí veio o Olodum e a Timbalada...

De forma simplificada pode-se dizer que o axé-music foi uma reação cultural à negação do frevo como um direito baiano. Pois é, a culpa é de Pernambuco.

Ficamos sem frevos baianos. No carnaval do Recife faz 30 anos que as bandinhas tocam "Morena tropicana", não há renovação do repertório. Valoriza-se tanto a tradição do frevo que o ritmo corre o risco de ser apenas um retrato do passado. Como diz Paulinho da Viola, meu tempo é hoje. Tudo bem falar dos saudosos carnavais, mas onde estão os frevos novos, as composições, as inovações?

Podaram os baianos de um jeito que Pernambuco não tem pra onde inovar. Vale lembrar que no ano de 67 houve a caretíssima passeata contra a guitarra da qual participaram muitos artistas modernos da época. Todos nós estamos sujeitos à caretice.

Mas ouvindo bem, acho que ainda sobrou alguma coisa de frevo no coração do baiano. Ou alguém vai me dizer que isso não é um frevo de bloco?